Um mundo que eu nunca imaginei

Desde muito cedo eu já me sentia muito amada. Eu não sei porquê, mas você sempre foi meu fã. Eu também era sua fã, talvez não o tempo todo, mas existia muito amor, carinho e respeito. Você sempre me respeitou muito e falava do quanto você tinha orgulho de mim, achava que eu era inteligente (e você “era burro”, mas não era, um músico autodidata, um guerreiro que voltou pra escola e quis fazer faculdade).

Esses últimos 34 anos, com todos altos e baixos da nossa família, sempre fizeram sentido pra mim porque você estava lá. Você estava sempre lá, você cuidou da minha mãe e isso me deu paz para mudar de continente. Você sempre foi me buscar no aeroporto quando eu ia visitar. Me levava dar rolê de carro, mostrava os memes que eu não entendia, furava a minha bolha.

Você é irmão da minha mãe, mas também é meu. Sempre foi. Desde quando eu ganhei meu primeiro videogame e a gente se estapiava pra jogar. Com você engolindo o orgulho e pedindo pra eu terminar um chefe difícil do Super Mario ou Sonic. A gente aprendeu junto a falar arrotando, fazíamos competições disso, de corrida, de dança. Você me ensinou a tocar bateria, a gente tocava punk rock na igreja vazia, pra não levar bronca. Eu nunca vou esquecer quando fomos pegos tocando “Smells like Teen Spirit”.

Eu te vi a última vez e eu tinha tanta esperança de que um milagre ia acontecer, eu vi você andando, dirigindo, me levou pra dar rolê, até comeu os chocolates que eu trouxe. Eu nunca imaginei o mundo sem você. Não faz nenhum sentido você ir tão cedo cara, o que tá acontecendo?

Eu tô me sentindo dentro de uma máquina de lavar. Tonta, sufocada, sem ideia de direção. Eu achei uma tristeza você ser vítima de uma doença tão agressiva. Eu achei uma injustiça você ter demorado tanto pra ser operado. Eu achei uma merda que você teve que sofrer por quase 10 dias no hospital antes de partir. Eu acho que você merecia uma vida longa e cheia de realizações. Eu não acredito que não vai ser assim.

Eu vejo nossas últimas mensagens no WhatsApp e eu queria parar o tempo. A gente falando de gato, trocando fotos. Eu, que sou ateia, na minha última mensagem escrevi “estou orando por você”. Eu tava mesmo.

Você leu e nunca pôde responder, pois já estava debilitado. Mas fez questão de avisar minha mãe pra me mandar um beijo. Você se preocupando comigo quando você mesmo estava no leito sem poder enxergar nem se mexer direito. Eu não acredito que acabou assim.

Queria tanto que você visse minha casa pessoalmente, conhecesse minhas gatinhas, jogasse videogame comigo (a gente adorava jogar).

Eu fico um pouco aliviada de saber que minha vida e minhas realizações te trouxeram um pouco de felicidade e orgulho. Que você tava muito orgulhoso de eu ter ganhado uma bolsa pra ir num evento de jogos nos Estados Unidos (eu tô indo em luto, porque você não vai tá aqui pra saber como foi tudo).

Eu caí num buraco escuro e espero que do outro lado eu saia mais forte, pra poder ajudar a Elô, o Dada, minha avó que tava com você todos os dias. Minha mãe, minha tia, meus tios, minha irmã. Eu quero estar aí pra todos eles. Boa partida, Fernando! Você é muito amado!