Talita Rhein

Por que eu não quis morrer?

Com o auge do “queria estar morta”, eu quase pensei que queria estar morta mesmo, mas, continuo vivão e vivendo.

O tamanho do problema é diretamente proporcional ao contexto no qual ele está inserido. Eu moro no centro de São Paulo, aqui tem gente de todo o tipo e problemas que vão de um extremo ao outro numa distância de 2 metros.

A primeira vez que eu quis morrer eu tinha uns 9 anos. Meus pais tinham se separado há uns 3 anos e eu engordei muito, fiquei com muita raiva, tive muitos problemas de socialização, etc. Comecei a fazer terapia por causa do TOC. Eu quis morrer, na verdade, porque a terapeuta dormia sempre que eu falava com ela. Isso me fazia me sentir bem triste, com mais raiva e ainda mais excluída socialmente. Uma vez ela roncou muito alto e acordou, foi a vez que eu falei pra ela que eu achava que ela não tava me ajudando.

É, eu demorei pra falar que não queria mais porque, de alguma forma, eu sentia que eu merecia o desprezo do mundo. Esse sentimento me acompanhou por muitos anos.

Como eu era muito crente, sempre que eu pensava em morrer, eu pedia pra ter um ataque do coração, ou sofrer um acidente. Eu não tinha coragem de me jogar da janela ou na frente do metrô. Bom, eu era uma criança. Mesmo assim, eu pensei nessas coisas várias vezes até a minha adolescência.

Com uns 14/15 anos eu parei de acompanhar minha mãe na igreja e comecei a encontrar meios de me destruir. Foi fácil achar companhia pra encher a cara, fumar, arrumar briga, etc. Não acho que eram pessoas ruins, alguns deles tavam enfrentando a mesma coisa que eu, talvez, outros só queriam ter um grupo de amigos.

Eu quis morrer de novo quando eu me achava muito feia, gorda, fedida, etc. Sério, eu achava que eu não podia sentir o meu cheiro. Tinha uma garota na escola que tinha um problema e fedia bastante, a galera deu um Rexona pra ela no aniversário dela e ela foi muito fofa e meio que ignorou. Ela tinha namorado e tudo mais. Eu pensava “mano, até ela tem namorado e eu nunca beijei na boca”. Naquele contexto, sendo adolescente e tal, aquilo era o fim do mundo.

Mesmo eu me arrumando, sendo descolada, inteligente, falando bem, tomando banho e tal, eu ainda me considerava muito zoada e comecei a pensar que o meu destino era ser uma pessoa solitária, assexuada (não que isso seja um problema, mas, no meu caso, era) e nada atraente.

Eu não sei se a galera pagava pau pra mim ou não, eu sei que eu beijei a primeira vez com 16 anos, um garoto gótico que era mais novo que eu e também nunca tinha beijado. Uma amiga falou pra ele que eu queria beijar, ele topou, a gente se beijou e tchau. Tipo, não rolou ficada, nem romance, nem nada, foi só treinar como era beijar e já era.

Esse beijo me deu o mínimo de segurança pra tentar beijar outras pessoas, e acabei beijando todo mundo que estava a fim de me beijar (todo mundo mesmo) e, com 17 anos, eu comecei a gostar de um cara mais velho, que era o amor da minha vida na época.

E esse amor me fez querer morrer de novo. Eu soube que ele ficava com outras meninas além de mim e eu não conseguia entender qual era o problema comigo, por que esse cara não gostava de mim e não queria namorar comigo? Sofrimento puro.

Os anos foram passando, faculdade, trabalho… Comecei a ganhar meu dinheiro e acabei indo fazer pós em outra cidade. Voltei, achando que estava abalando e fiquei 1 ano desempregada. Quis morrer, chorei pra minha mãe e falei que minha vida não fazia sentido.

Ela chorou comigo, tadinha, sem ideia do que fazer pra me ajudar e vendo que meu problema claramente não era apenas o desemprego. Eu tava com 23 anos e fiz um concurso pro IBGE, eu teria que mapear uma região que era de “risco” (lê-se favela) e treinar os recenseadores e as pessoas da região para receberem o Censo e não acharem que seria reintegração de posse ou algo do tipo.

Aquele trabalho foi um marco na minha vida. Ver o quanto eu já quis morrer tendo uma vida que não foi fácil, mas que não tava nem perto do que muita gente lá tava sofrendo. Eu vi gente morta com muitos tiros, eu tive que me abaixar num tiroteio, eu vi um feto morto no meio do lixo, eu vi muitos animais mortos, eu vi muito lixo, eu vi muita gente suando pra conseguir ganhar a vida.

É bizarro, mas ali eu percebi que meu problemas eram proporcionais ao meu estilo de vida, ao meu contexto social e que eram bullshit pra muita gente. Ali eu vi que eu tinha mais é que viver, e viver pra caramba.

O turning point foi quando, no final de 2010, recebi uma proposta de trabalho muito boa e comecei a ganhar um salário que pagaria minhas contas. Me mudei pra avenida Paulista, comecei a viajar, comecei a ver o que eu tinha de bom e não ligar mais para a minha própria nóia de me achar zuada, gorda, fedida, etc.

Aí comecei a me viciar no trabalho, que me proporcionava grana pra fazer as coisas que eu queria. Tive um ataque de ansiedade, fiquei internada, comecei a fazer tratamento com psiquiatra, psicólogo e neurologista. Me deu vontade de morrer novamente, mas também me deu muito medo de morrer. Era uma situação de bosta.

Com ajuda de remédios e terapia, fui vivendo um dia de cada vez, até que, em 2012, decidi que queria viver uma experiência diferente. Peguei toda grana que eu tinha suado pra caralho pra ganhar e torrei em 6 meses na Europa. Aprendi a falar alemão, conheci um cara foda, me apaixonei de verdade, de forma adulta.

Tirando todo drama de namorar à distância, eu estava muito mais confiante, e acho que isso me ajudou a arrumar emprego (não fiquei nem um mês desempregada depois de voltar) e tocar minha vida sem mergulhar numa crise. Meu namorado veio morar comigo no Brasil, minha vida estava plena e eu fui feliz até agora.

Mentira.

Tive um problema no braço devido ao esforço repetitivo (lá vou eu me jogar no trabalho novamente) e era tanta dor, mas tanta dor, que fiquei deprimida. Quis morrer. Era bem a época que a Lana Del Rey tinha falado que queria estar morta. Eu também queria.

Eu sabia que a depressão estava relacionada a dor, então fui atrás de todo tratamento possível. Tratei e demorou muito, mas melhorou. Aí a vida começou a fazer sentido.

Aí eu entendi que eu nunca quis morrer porque, na verdade, tudo que eu queria era ser aceita, ser amada. E eu só fui ver que quem tinha que me aceitar e me amar era eu mesma.

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